regras de civilização

ilustração | terry fan

 

 

defesa

as pessoas têm paciência infinita para se conhecerem umas as outras, um interesse recíproco pelo que pensam, o que sentem, como querem a temperatura da refeição, se estão bem etc. eu não, ando cansado das trivialidades das relações, das conversas apequenadas e mesmo das opiniões a respeito dos grandes temas, o partido político, a existência de deus, a vida após a morte, a vida em outros planetas, todos cheios de opiniões a respeito disso e daquilo e eu com vontade de dizer: não me interessa o que você pensa, não quero saber, não poderia me importar menos. mas as regras de etiqueta, as regras de civilidade me mandam abanar a cabeça e dizer sim, entendo, certo, de acordo, mas você não acha que. e responder, bater a bola de volta, prosseguir no fluxo do diálogo, porque isso sugere aquilo e então a conversa tem um rumo natural para onde prosseguir.

 

ataque

dentro da minha cabeça, no entanto, outro diálogo se passa, um em que realmente sou capaz de dizer o que penso, e não há algo de gentil no que penso, mas mesmo assim eu expresso. foda-se, eu diria, foda-se o que você acha ou deixa de achar. não me interessam suas banalidades, guarde-as para você. uma conversa verdadeiramente franca, na qual eu teria que aguentar ouvir o interlocutor também me dizer o que realmente pensa, inclusive a meu respeito. foda-se também o que eu acho.

 

conciliação

depois trocaríamos socos? nunca mais dirigiríamos a palavra um ao outro? entraríamos de volta em nossas cavernas de silêncio? melhor a civilização e a hipocrisia teatral de nossas representações de papéis levemente educados e só às vezes com escorregadelas em rudezas, mas nada que não se supere, nada que não se remende ou não se cole de novo nesse arremedo forjado do que de fato são os bons modos.

 

Publicado por

paulopaniago

digo não

4 comentários em “regras de civilização”

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