ele caminhou lentamente até a porta do próprio pensamento. é ali que eu estou, tentou projetar a si mesmo para fora, embora soubesse que pensava a partir do conceito que tinha de mente e a projeção era falsa como certas tentativas de viver artificialmente. melhor o silêncio, pensou também, embora sua mente tivesse produzido o ruído do pensamento (as palavras em conexão) e portanto se contradizia. havia uma mulher, beijos trocados, havia saliva e suores, havia o passado e a lembrança no presente dele, havia outras gentes e muito ruído, formas, lugares bonitos, outros horrorosos, havia confusão, guerras sem fim, gente que explodia e enterros, gente que nascia e festas, eleições, promessas, sussurros, ordens e contraordens, havia o ruído infindável do mundo e sua mente perturbada a perceber tudo. estava vivo. para muitos, um consolo. outros encarariam como fardo. para ele, sério, era erguer a cabeça e ser estoico. o mundo era um barulho em sucessão, como as ondas do mar, trabalhadoras incansáveis. numa história de ficção, o mar pararia o movimento. melhor escovar os dentes antes de dormir.
ser ou não ser, eis a solidão.
paulo, você é um escritor brilhante. tudo o que publicou hoje, aqui, está um absurdo de tão bom. a começar pelo título. o texto é o melhor dos últimos tempos, na minha opinião. e concordo com você: não há sossego em canto algum. nem me virando pelo avesso.
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obrigado pelos elogios, mirian. pois é, existem uns dias de reviravoltas sem saída.
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