Cartas de recusa

apollo17

 

 

A editora estava cansada de enviar a mesma carta padrão de recusa a todos os escritores que haviam se dado o trabalho de enviar inéditos cheios de esperança mas nem sempre qualidade. Preocupado com a imagem que estava ajudando a difundir de comprometimento até a medula com posturas diferentes, o editor contratou um escritor que julgava qualificado para que escrevesse cartas de recusa personalizadas. O sujeito tinha que ir para o escritório da editora, um lugar agradável, ensolarado e cheio de gente inteligente, ler um pouco do original e então escrever uma carta que fizesse menção ao texto e explicasse, de forma elegante, por que aquele romance ou livro de contos ou de ensaios ou de poemas ou de receitas culinárias ou de narrativas de guerra, neste exato momento e por motivos precisos (a falta de qualidade, normalmente, mas nunca omitida da informação; a presença de qualidade, em alguns poucos casos, mas a falta de afinidade com as áreas específicas da editora, nesse caso com um leve puxão de orelha ao autor por não ter se atentado a esse fato tão óbvio; a presença de qualidade, mas não o suficiente para que o livro mereça edição, pelo menos não por esta editora; a presença de muita qualidade, mas baixa previsão de vendas, uma vez que os leitores não estão à altura da obra). Os poucos originais que terminavam selecionados não passavam, evidentemente, pela mesa do escritor contratado para fazer as cartas de recusa, e isso começou a deprimi-lo, porque ele só lidava o dia inteiro com dizer não e não, de jeito nenhum, obrigado pelo envio, mas não e não, das mais variadas e diferentes formas que conseguisse forjar. Nem mesmo quando a editora aceitou publicar uma edição das melhores cartas de recusa que ele havia escrito nos primeiros dezoito meses de trabalho e que se tornou um sucesso de vendas com justamente o título de Cartas de recusa, com muitas resenhas nos jornais e análises de tendências do mercado literário e do comportamento convencional da concorrência etc. etc., ele se animou. Esse trabalho acaba com a pessoa, ele dizia aos amigos, enquanto acendia um cigarro, e estava encontrando dificuldades de prosseguir com os próprios livros: tinha um romance iniciado e uma novela sem final. Não o animou nem mesmo saber que as demais editoras, no país, continuavam sem sequer se dar o trabalho de enviar cartas de recusa, nem mesmo aquela padrão, o que deixava os escritores de inéditos no mais absoluto escuro. Das muitas injustiças do mundo, ele colaborava com uma que nem parecia ser tão importante. Aquilo, de qualquer modo, estava lhe matando aos poucos.

 

Publicado por

paulopaniago

digo não

5 comentários em “Cartas de recusa”

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