Consolações da literatura

entre-lençóis

 

 

Algumas feridas se curam, criam casca, depois as células fazem o trabalho de reposição e a pele fica como nova, num ou noutro caso resta uma cicatriz, a escrita do acidente sobre o corpo, um memorando para o futuro. Mas há certas feridas internas cujo sangramento não estanca, uma hemofilia de sentimentos insalubres. Nesses casos, as pessoas viram escritores. Como automedicação, fumam, bebem, se drogam e alguns colocam a cabeça no forno ou apertam o gatilho. Para os mau-sucedidos há um conforto: fazem sucesso e recebem prêmios, convites para palestras e mesas-redondas, têm leitores que os adoram, enfrentam fila na noite de autógrafos e tudo isso se parece também com um prêmio de consolação, porque a literatura de verdade está em outro lugar.

 

Publicado por

paulopaniago

digo não

10 comentários em “Consolações da literatura”

    1. Pois é, Robson, quando escrevo tenho essa ‘persona’ que é muito desaforada. Na vida real, o interessante é que sou até um sujeito comportado com ideias relativamente contidas (mas nem sempre). A literatura tem espaço para os saltos de ousadia, gosto dela também por isso.

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  1. Há ainda, Paulo, aqueles que nem tanto ao mar e nem tanto à terra, se equilibram perigosamente em cima do muro virtual que separa a vida, da morte.
    Em tempo:
    Recebi o Desaforos; muito obrigada! Bom ter autor tão talentoso entre meus livros preferidos. Sou sua fã! Um beijo.

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  2. Vou aumentar o coro, moço. Acho que seus textos vão direto ao ponto. Um elixir para os dissabores da Vida, que teimam em prevalecer. Sou muito grata por este espaço continuar existindo aqui, é de uma generosidade que me comove. Sempre um alívio saber que tem gente, como você, teimando em criar. Tantos vivem apenas pelo projeto de poder… E Manoel morreu hoje… Bj, valeu!!

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    1. Elixir para dissabores pode ser um título para alguma das narrativas futuras, Erika. Pois fique firme, continuarei a produzir essas pequenas histórias enquanto as ideias continuarem a vir. E pois é, Manoel de Barros, um artista muito peculiar e com grande domínio das travessuras inventivas que as palavras permitem.

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  3. Pra mim, a instituição Literatura é que nem pai e mãe. Preciso do colo e tenho admiração incondicional. Nunca na vida pensei em ser escritora. Quando alguém falava “você devia ser escritora” eu dizia: “Deus me livre de ficar criando personagem por aí, coisa de gente esquizofrênica”. Preconceitos. Que são muito mais alimentados pelos meus medos do que por meus pais e tias.

    Mas aceitei que meu instinto, meu vício, meu conforto, é, de fato, escrever. E, se quando eu paro para alimentar meu vício o que sai não é Literatura, foda-se. Parei de querer agradar (e agora, se eu quiser, enfim, decidir ser mãe, estou livre).

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    1. Literatura, Beatriz, é o que há de mais digno e mais nobre na superfície do planeta. É também o que consegue mergulhar mais fundo na humanidade e na desumanidade que temos. Meu respeito pela literatura, como instituição, como você diz, é enorme, embora eu às vezes tenha crises com a institucionalização meio tacanha a que a literatura às vezes é submetida. Ela tem alimentado a minha vida e me fez chegar onde me encontro. É uma dama severa que cobra caro a entrada e não perdoa desvios no caminho (eu deveria ter sido escritor, que era meu projeto inicial, mas fui ser jornalista; quando fui tentar voltar atrás, a literatura agora me trata com certa desconfiança persistente), mas também generosa o bastante para permitir que façamos desaforos e estripulias com ela, como fiz nesse texto aí (e num outro, uma novela chamada ‘Crimes editoriais’, sobre um escritor que vai a São Paulo e sequestra um editor. Como resgate, pede que o seu livro seja publicado).

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