Desse lado do ringue 2

Foto | Christophe Jacrot
Foto | Christophe Jacrot

 

 

Não creio em Deus nem ele crê em mim, o que mais ou menos empata as coisas. Nossa luta é desigual, ele tem um grande número de aliados a defendê-lo e eu ando sozinho por toda e qualquer parte. Sendo o ser imaginário de maior poder de dissuasão do planeta, ele conta com o delírio e o fanatismo de bilhões de aliados prontos para entregar a vida por ele na briga contra cães infiéis feito eu. Nosso segundo encontro em que ele apareceu de roupas informais se deu no aeroporto de Brasília, quando eu estava prestes a embarcar para um glorioso fim de semana em São Paulo antes do fim das férias. Cruzamos nossos caminhos e eu quase não ia notar, mas de repente me dei conta: aquele velhinho narigudo com celular, boné, bermudão e jeito de quem ainda tem longas férias pela frente era ele. Deus no celular, pensei, essa é boa. E entendi porque ele decidiu me ignorar solenemente: meu dia tinha sido ótimo e produtivo, eu havia escrito bastante e andava empolgado com umas narrativas de metrô que vinha escrevendo. De modo que ele limitou-se a se manifestar diante de mim e evitou qualquer interação. Esnobe, eu disse, entredentes, esnobe e presunçoso. Me acerta um bom dia e depois vem me jogar na cara justamente isso, que é tudo obra sua, o arrogantão. Decerto esperava que eu caísse de joelhos diante dele, agradecendo por apenas um dia em que tudo deu certo. Quebrou a cara, porque eu também sabia, sempre soube, ignorar solenemente e ser arrogante e presunçoso. Aprendi com o mestre, no fim das contas.

 

Publicado por

paulopaniago

digo não

4 comentários em “Desse lado do ringue 2”

  1. Deus usa aqueles meiões no meio da canela, é branquelo e tem toda pinta de turistão estadunidense. A indumentária não combina com quem nunca tira férias, me parece, mas vai saber qual era a missão do dia.

    Não me espanto com o fato de Deus ter um celular. Nem o Todo Poderoso pode prescindir de um smartphone hoje em dia, afinal de contas, eles são muito úteis e divertidos. A minha dúvida maior é: com quem Deus fala ao celular?

    [Se você fosse Deus, você ligaria para quem? Hahaha. Não vale passar trote para os meros mortais, porque isso é sacanagem e sacanagem é coisa do capiroto. Beijo.]

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    1. Dama,

      Todo cavalheiro tem interesse em manter um bom nome; com deus não seria diferente. Ao que ele costuma dizer que não é de trote, que trote é coisa dos quadrúpedes equídeos etc. Como bem explicou um antigo dotado de ímpar sabedoria: farras excessivas versus zelo sóbrio.

      — Inútil prolongar essa descrição…

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      1. Caro Mathias, se eu fosse cavalheiro, talvez tivesse o interesse que você aponta. Não sendo, permito-me fazer essas considerações a respeito da grande criação coletiva, o delírio da humanidade. Mas isso sou eu…

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