Profissão difícil

Foto | Gunars Binde
Foto | Gunars Binde

 

 

A dúvida é o que me mata. Se tivesse certezas e precisasse lidar apenas com elas seria tão mais fácil. A vida se tornaria um ângulo reto, encaixes e ajustes perfeitos. Em vez disso, tenho dúvidas, desgostos, círculos que não fecham, muito espaço tracejado. Margarete está me traindo, penso durante o café da manhã. Imagino que possa ser com Hércules, meu sócio, ou com Tânia, a dúvida não me deixa decidir e tento encontrar resposta em seus olhos, mas ela dissimula e foge. Quando Margarete se levanta da mesa e me dá um beijo de despedida, fico na dúvida se ela realmente me trai, se contrato um detetive para resolver o assunto, se me importo no fundo com isso, se abandono minhas amantes, Lurdes e Malva, para reconduzir Margarete à retidão do casamento e honrar o contrato de fidelidade que fizemos diante do padre e de nossas famílias. As dúvidas se multiplicam ao longo do dia de maneira realmente fascinante, em intermináveis bifurcações, mas encerro o dia cansado com tantas variáveis e o travamento geral que elas me provocam. Simplesmente não consigo decidir. A última do dia é a dúvida que sempre retorna como se fosse o fantasma de um filme ruim: devo ir para a cama e dormir ou cometo suicídio de uma vez por todas. Pelo menos, essa é uma dúvida que o dia seguinte responde por mim, sempre que desperto para enfrentar nova leva de conflitos e verifico que ainda não tive coragem suficiente para tomar a outra decisão.

 

Publicado por

paulopaniago

digo não

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