a distribuição dos anjos

arte | daniele cestari
arte | daniele cestari

 

 

toda vez que viajávamos para o exterior, em algum momento era necessário passar pela situação de abrir um mapa e olhar para ele e para os nomes das ruas que lhe correspondiam, nas placas que ficam nas esquinas. toda vez, alguém aparecia para perguntar se precisávamos de ajuda e nos dava não apenas as direções que buscávamos identificar nos mapas, mas também um pouco de conversa que nos deixava contentes, prova imaterial de que a solidariedade humana não estava morta nem enterrada e ajuda poderia ser fornecida sem nem mesmo ter sido solicitada. voltávamos a ter fé nos seres humanos. arrependo-me de não ter perguntado o nome àquela senhora, em nova york, que depois de nos dizer para aonde deveríamos nos dirigir nos acompanhou por um quarteirão antes de nossos caminhos se desligarem talvez para todo o sempre. o mesmo não aconteceu em buenos aires. ali fomos socorridos por um senhor de tronco pronunciado e pernas finas que se apresentou na esquina do mapa, óculos gigantescos com aros de tartaruga, nos indicou a direção e contou como o bairro havia mudado desde que ele era uma criança e morava ali, setenta anos atrás. pepe, fez questão de se apresentar, então me dei conta de que deveria ter perguntado e devo sempre perguntar, se alguma situação parecida acontecer. um bom sujeito, um anjo em circunstâncias que oferecem a ocasião de sê-lo. sem querer nada em troca e ainda fornecendo mais do que a simples informação, é para aquele lado ali, o dedo apontando. acrescenta a isso dois dedos de prosa, um relato tão breve quanto aparentemente inócuo, mas que faz de nós, humanos, um pouco melhores do que normalmente somos. não foi inócuo para nós, não naquele dia de um janeiro particularmente quente em que tentávamos nos localizar numa rua de buenos aires, à procura da praça que atende pelo nome de julio cortázar, tendo saído de uma livraria que tem o nome maravilhoso de eterna cadência.

 

Publicado por

paulopaniago

digo não

8 comentários em “a distribuição dos anjos”

  1. num vôo de dublim para amsterdã, no qula eu faria uma escala para ir até paris, conheci um rapaz, sentado ao meu lado. quando contei que minha escala, entre um voo e outro, era de apenas meia hora e que eu estava com muita fome, ele disse: não vai dar tempo de comer! e tirou da mochila vários pacotes de bolachas e coisinhas assim, até abertos já, colocou na minha mão e não aceitou o meu não educado como resposta! e eu não sei o seu nome…

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    1. esse era elegante, não tinha corcunda (não visível, pelo menos) e misturou espanhol com inglês, além de criticar meu espanhol e elogiar meu inglês. vai entender.

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