se pudesse concentrar toda a raiva e inquietação e angústia e também toda a felicidade, o êxtase e o prazer de uma pessoa e ensacar aquilo ou talvez colocar em frascos e vender como lembrança ou como pequenas bombas mortíferas de desarmonia. na loja do museu, estaria entre livros a respeito de teorias da arte e fotografias das esculturas.
o problema ia ser na hora de colocar preço.
o exercício de controlar a impaciência é um dos melhores para quem envelhece — é o exercício natural, o autocontrole em relação a todos os sonhos primeiro acumulados e em seguida descartados, seja por conta das circunstâncias, seja porque são impraticáveis, pelos mais diferentes motivos.
o exercício é parte do aprendizado forçado da conformação: o futuro é igual para todos, por mais diferentes que tenham sido as experiências de vida. quando se chora a morte de alguém, o motivo é sempre egoísta: lamenta-se a saudade que se sentirá do morto; lamenta-se que a morte seja sempre necessariamente solitária: tem sido assim e continuará a ser.
o treino para a solidão, em vida, não aplaca o espanto que continua a assombrar. na morte, é só você.
o exercício de controlar a impaciência é o preparo.
desaforos 