meu chapéu dá samba

foto | jonas bendiksen

 

 

debaixo do meu chapéu danço samba, crio mapa de um território que ainda não existe. meu chapéu me destaca do texto público, me distingue. quando alguém apontar será “aquele cara lá de chapéu” ou “aquele, ao lado do cara de chapéu”. isto não é um cachimbo, é um chapéu, anuncio aos amigos, dois dedos apontados para cima, em direção à aba norte.

sem ele, sou menos eu mesmo, no mínimo mais baixo. minha mulher quis divórcio, ele ou eu. minha mulher, ou melhor, minha ex, não dança samba, danço eu, sob o chapéu, meu cartão de visitas para o mundo, meu abrigo, minha nota de destaque.

com ele não saio da trilha, só com ele posso sair do trilho.

 

variações

foto | sylvia plachy

 

 

o problema do mundo é dispersão. concentrar-se, fazer apenas uma coisa muito bem feita é tremendamente mais difícil do que se lançar ao apelo sedutor — colorido, perfumado, esfuziante — da vida.

ele pensou a respeito do assunto mais dois minutos — as imagens se formando, amarrando-se a outras — e então o telefone tocou e um convite para ir ao cinema foi feito e pronto, ele tornou-se a prova viva de que o problema do mundo é dispersão.

no entanto, a obsessão pode ser um buraco negro estéril a sugar toda a luz em torno.

depois do filme, cerveja.

faz sentido discutir isso?, alguém na mesa quis saber, os amigos em performance de sabedoria e inteligência uns para os outros, os assuntos sendo descartados à medida que um novo entrava em cena. uma noite sobre a terra, como milhões de milhares de outras.

alguém se lembrou que uma noite sobre a terra é o título de um filme.

a singularidade nega a dispersão, ela é amálgama, desorienta para em seguida reorientar.

alguém falou dos olhos da atriz. o assunto mudou.

dispersão e singularidade. poderia escrever um tratado a respeito do assunto, mas preciso atender o telefone, espera aí, já volto.