não há inocentes

ilustração | lola dupré

 

 

a depender do tamanho de cada um dos integrantes daquela reunião, a borda da mesa em torno da qual se sentaram ficava à altura do peito ou pouco acima do umbigo.

haviam sido convocados para uma emboscada. mas o pretexto era comemorar o golpe de estado bem sucedido. ergueram arsênico em cada uma das taças do brinde, misturado com vinho. houve discurso de agradecimento aos bons serviços prestados.

tudo correu na mais perfeita ordem do bom planejamento e nem mesmo a remoção de tantos corpos representou qualquer transtorno.

 

não existem monumentos para o suicida anônimo

 

 

ele fez aquele barulho apertado e borbulhante do bochecho, uma, duas, cinco vezes e então cuspiu o enxaguante na pia leitosa e viu a espuma branca permanecer enquanto o líquido azulado deslizava por baixo e corria rumo à gravidade. jogou água sobre a espuma. enxugou as mãos, boca, olhou no próprio olho uma última vez, devolveu a toalha para o gancho, apertou o interruptor.

no quarto, lembrou-se de desligar o despertador. então virou o frasco de remédios para dormir e engoliu várias cápsulas ao mesmo tempo, com goles de água para ajudar.

por fim, apagou a luz.

quando o encontraram, não havia qualquer bilhete. se houvesse, poderia entrar na coletânea dos melhores bilhetes de despedida de todos os tempos, ainda inédito por falta de organizador.